O bolsonarismo era, até o
momento, sustentado por cinco núcleos político-ideológicos: olavismo, movimento
evangélico, neoliberalismo, militarismo e lava-jatismo. Hoje, com a saída de
Sergio Moro do governo, houve um grande baque na sustentação.
Apresento abaixo
uma breve descrição de cada um desses pilares e a reconfiguração do apoio ao presidente Bolsonaro.
a) Núcleo olavista
Esse núcleo está embasado na
noção de guerra cultural. Acredita-se que o Brasil, após a redemocratização,
foi tomado por uma ideologia comunista que se estabeleceu fortemente no sistema
educacional e nas instituições culturais. O núcleo olavista é representado no
governo principalmente pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, e pelo
ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O núcleo tem os seguintes
temas como agenda básica: conservadorismo, anticomunismo, antiglobalização e
nacionalismo/patriotismo.
Avaliação: O núcleo continua forte; segue
com o apoio maciço dos seguidores. É interessante dizer que esse núcleo tem uma
forte atuação nas redes sociais, especialmente no Twitter, com milhares de
robôs. É nesse núcleo que está situado o gabinete do ódio, isto é, o centro de
produção e disseminação de fake News de apoio a Bolsonaro e de destruição da reputação dos adversários.
b) Núcleo religioso
Esse pilar está embasado na noção
de resgate moral da sociedade. Acredita-se que a sociedade brasileira se
degenerou em seus costumes e precisa ser restaurada por meio de uma agenda
cristã. A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves,
é a representante desse núcleo. As principais agendas são: costumes, família,
anti-identitarismo e combate à “ideologia de gênero”. O movimento evangélico
brasileiro é, em sua maior parte, o maior afiançador desse núcleo ideológico.
Existe nas igrejas evangélicas uma forte adesão a Bolsonaro. Ele é visto como o
enviado de Deus para restaurar o país da corrupção e da degeneração moral.
Avaliação: Esse núcleo sofreu um forte revés
no apoio. Sergio Moro tem uma grande penetração entre os evangélicos. Não custa
lembrar que o procurador Deltan Dallagnol, parceiro de Moro nos desdobramentos
da operação Lava-jato, é evangélico e percorreu o Brasil dando palestras em
várias igrejas evangélicas. Penso que a debandada de seguidores aqui é da ordem
de mais de 50%. O depoimento de reprovação do pastor Silas Malafaia, no
Twitter, é um indicativo claro do tombo. Embora mantenha o apoio ao presidente,
Malafaia foi veemente em dizer que a saída de Moro é um "erro político
total".
c) Núcleo neoliberal
Esse núcleo defende a redução do
Estado de bem-estar social. Tem como pautas principais a redução dos direitos
do trabalhador, redução da assistência social, redução do investimento nos
serviços públicos (educação e saúde, principalmente), redução da seguridade
social etc. Junto à redução do Estado de bem-estar social, está também o
projeto de concessão de diversos serviços à iniciativa privada e os projetos
de privatização das empresas públicas. Esse núcleo tem como principal
representante o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Avaliação: Esse núcleo ainda mantinha certo
apoio do empresariado. A mídia tradicional já tinha abandonado o barco no
início da pandemia, ao apoiar as medidas de isolamento social. Penso que agora
houve um forte esvaziamento. O empresariado era muito ligado ao capital
político de Sergio Moro. O núcleo teve uma redução de apoiadores em mais de
70%, considerando a debandada desde o início da pandemia.
d) Núcleo militarista
O núcleo militarista se assenta
na ideia de que as Forças Armadas são responsáveis pela proteção da República e
pela segurança nacional. Esse núcleo é representado no governo pelos ministros
generais: Walter Braga Netto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de
Governo) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). Há ainda,
obviamente, o próprio presidente, Jair Bolsonaro, que é capitão da reserva e o vice-presidente,
Hamilton Morão, que é general da reserva. O núcleo é alinhado com o discurso
anticomunista, segundo o qual o Brasil vive uma ameaça constante de uma
revolução comunista. Esse discurso é, obviamente, uma memória da ditadura
militar e é amplamente reforçado pelo discurso olavista. Isso não dizer que o
militarismo está plenamente alinhado com o olavismo. O ponto de contato é
apenas o discurso anticomunista.
Avaliação: Esse núcleo é bastante ligado a
Sergio Moro porque defende a pauta anticorrupção. Aliás, essa pauta foi uma das
bases de sustentação ao golpe militar de 1964. Esse núcleo perde, então, um
apoio considerável. Resta saber o que acontecerá com os militares no governo.
Eles estão vendo a imagem das Forças Armadas cada vez mais associada aos
desmandos de Bolsonaro. E isso é bastante problemático. O núcleo militarista
contava com pequeno apoio popular, de forma que a maior perda é mesmo dentro do
próprio governo. Do ponto de vista externo, a perda de apoio deve ter girado em
torno de 50%.
e) Núcleo lava-jatista
O lava-jatismo é uma recorte
político-ideológico bastante recorrente na história brasileira, embora só recentemente
tenha alcançado uma forte penetração no Judiciário e no governo propriamente
dito. Esse núcleo tem como pautas básicas o combate a corrupção e o punitivismo
legal. A pauta anticorrupção esteve presente em praticamente todas as crises
políticas brasileiras, desde o golpe que instaurou a República, em 1889, até o
golpe contra Dilma Rousseff, em 2016. As grandes massas sempre se mostraram
bastante sugestionáveis a qualquer movimento da mídia na promoção da agenda de
combate à corrupção. Temos enfrentado crises políticas sucessivas que têm como
mote a denúncia de corrupção no governo. A novidade histórica recente foi a entrada
avassaladora do Ministério Público e do Judiciário nesse núcleo
político-ideológico por meio da operação Lava-jato. Sergio Moro se tornou a estrela
desse núcleo, acumulando um grande capital político. Jair Bolsonaro, entendendo
o grande patrimônio que Moro representava, prontamente o inseriu em seu quadro
de ministros.
Avaliação: A saída de Sergio Moro do governo
provoca uma tragédia colossal no bolsonarismo lava-jatista. A perda é de 100%
dos apoiadores. O colapso desse núcleo será, possivelmente, a razão do fim do
governo Bolsonaro. Não custa lembrar que Moro conta com o apoio maciço da mídia
tradicional. O Jornal Nacional de hoje, por exemplo, gastou mais da metade da
edição exaltando Sergio Moro e, consequentemente, demonizando Bolsonaro.
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