Minha filha tinha uma tarefa da escola pra fazer. Ela precisava
escrever uma crônica, sobre qualquer tema. Então ela me pediu uma sugestão. Minha
ideia foi: “Escreva uma crônica sobre uma sociedade que perdeu a capacidade de
nomear”.
Ela foi escrever a crônica. E eu me impus o desafio de fazer
a mesma tarefa escolar dela. Está aqui o resultado:
Uma certa sociedade, que vive não muito distante daqui, passou
chamar todos os seres e objetos de coisa. E isso aconteceu porque, num dado dia, essa
sociedade entrou num conflito violento e generalizado por conta de uma disputa em
torno do verdadeiro nome de um alimento especial.
Irrompeu-se uma guerra civil porque um grupo dizia que o verdadeiro
nome desse alimento era “bolacha”, outro dizia que era “biscoito”, outro dizia
que era simplesmente “uma coisa de comer”.
Com o avanço da violência, os agentes públicos se viram na
obrigação de pacificar a sociedade. Então instituíram uma lei que proibia dar
nomes aos seres e aos objetos. Tudo deveria ser chamado de “coisa” simplesmente.
Daí a pessoas passaram a produzir frases assim: “Hoje
comprei aquela coisa que você me recomendou enquanto tomávamos a coisa naquela
coisa de ontem”.
Dois séculos depois, ninguém mais sabia que a coisa (a língua)
já tinha sido cheia de nomes. Todos se satisfaziam com uma única forma de nomear.
E todos, de forma incrível, se entendiam
perfeitamente bem nesse mundo morto!
Só que, para infelicidade dessa sociedade, o seu Coisa
resolveu estudar a história da coisa (da língua). Então descobriu que, num
passado não muito longe, a língua, que agora estava em paz e morta com um único
nome, tinha tido uma vida agitada, com inumeráveis nomes.
Então o seu Coisa cansou de ser coisa. Passou a pedir que as
pessoas chamassem ele de Fernando. Essa atitude estimulou uma revolta. Todos
passaram a reivindicar um nome próprio, uma vida própria, uma identidade própria.
E isso lançou a sociedade numa disputa de palavras novamente.