Há uma diferença enorme
entre o modo como o Brasil e os demais países sul-americanos lidam com a
ditadura.
Uma onda política perversa mergulhou Brasil, Argentina, Uruguai e Chile num mar de trevas e terror, nos anos de 1964 a 1990. Por mais de duas décadas, ditaduras sanguinárias perseguiram, exilaram, prenderam, torturam e mataram centenas de pessoas.
Uma onda política perversa mergulhou Brasil, Argentina, Uruguai e Chile num mar de trevas e terror, nos anos de 1964 a 1990. Por mais de duas décadas, ditaduras sanguinárias perseguiram, exilaram, prenderam, torturam e mataram centenas de pessoas.
Em termos de truculência, as ditaduras de lá e a ditadura daqui se assemelham na crueldade. Em termos de memória e de reparação história, as ditaduras de lá são bem diferentes da ditadura de cá.
No Chile, Argentina e Uruguai, todos os campos
políticos democráticos (direita, centro e esquerda) rebatem
veementemente o período da ditadura. Não existem por lá
políticos que passam pano para Augusto Pinochet (Chile), Jorge Rafael
Videla (Argentina) ou Gregorio Álvarez
(Uruguai). E não é só o mundo político que tem repulsa pela ditadura. A
sociedade como um todo repudia esse período da história.
Aliás, na Argentina, até mesmo os familiares dos ditadores têm
“vergonha de se associar a eles”, como mostra a reportagem “O túmulo dos
ditadores que ninguém quer recordar”, do El País (https://bit.ly/2LwSo4K).
É nesse contexto que devemos analisar a seguinte fala do presidente Jair Bolsonaro a Michelle Bachelet, cujo pai foi morto pelo regime de Pinochet:
Senhora Michelle Bachelet, se não fosse o pessoal do [Augusto] Pinochet derrotar a esquerda em 1973, entre eles seu pai, hoje o Chile seria uma Cuba. Parece que quando tem gente que não tem o que fazer, como a senhora Michelle Bachelet, vai lá para a cadeira de direitos Humanos da ONU (https://bit.ly/2kiApGW).
É nesse contexto que devemos entender os prejuízos que o governo está
gerando para o país no campo diplomático. No Chile, não há políticos, mesmo na direita, que estejam dispostos a se aliar com bajuladores de ditadura.
Infelizmente, no Brasil
temos vários políticos que celebram a ditadura. Temos também uma enorme
parcela da população que apoia a ditadura. Existe em nossa sociedade uma
constante tentativa de revisionismo histórico desse período asqueroso.
O fato é que fracassamos, como sociedade, em construir uma memória da
ditadura como de fato ela foi: cruel, sangrenta e assassina.
Fracassamos, como sociedade, ao não punir as mortes e as violações de
direitos humanos praticadas por militares e pelos presidentes
militares-ditadores.
E o resultado desse fracasso continua a nos perturbar.
Precisamos voltar aos porões da ditadura e mostrar, sem rodeios, as
monstruosidades que Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e
Figueiredo praticaram, no período de 1964 a 1985. Precisamos mostrar,
sem rodeios, a face monstruosa de Ustra. Sem esse trabalho
cívico-político, continuaremos usando a democracia para eleger escórias humanas autoritárias e antidemocráticas. Sem esse
trabalho continuaremos a ter escolas, ruas, viadutos etc. com nome de
ditadores. Isso é muito vergonhoso, uma verdadeira afronta à nossa democracia. Nosso mundo não pode mais comportar homenagens a genocidas.