“Eu sou de centro-direita”, diz Bolsonaro (bit.ly/2L0ONOy).
Os conceitos de esquerda e direita têm sido constantemente
questionados. A principal crítica está relacionada ao fato de esses conceitos
serem distribuídos numa escala binária, polarizada. Nesse sentido, o espectro político
é dividido em apenas dois campos, deixando de fora elementos que supostamente
não cabem em nenhum dos polos.
É consenso que todos os paradigmas binários são teoricamente
frágeis. Aliás, em última instância, qualquer paradigma classificatório, relativo
ao mundo social, é precário, mesmo que tenha três, quatro ou cinco campos. Nenhum
paradigma vai conseguir abarcar todas as nuances da vida social. E, se algum paradigma
tiver a pretensão de ser exaustivo, apresentando um campo para cada recorte
social, perderá por completo a função e a validade teórica, uma vez que será absurdamente
extenso.
É importante enfatizar que, mesmo sendo binário, o modelo esquerda-direita
pode abrir espaços em cada lado para abarcar particularidades, mudanças sociais
e inovações ideológicas. Assim, me parece que os nossos arranjos políticos ainda
podem ser pensados e analisados sob a lente esquerda-direita.
Alguns grupos sociais e/ou sujeitos recusam a identificação esquerda-direita.
Se dizem acima dessa classificação. Nesse caso, é importante analisar que
fatores levam tais grupos e/ou sujeitos a negar a identificação. Que posições
sociais ocupam, que lhes cobram uma suposta isenção?
Nenhuma recusa identificatória, no campo ideológico, é
gratuita. Há sempre um ganho em vista, a ser mantido ou conquistado. Pessoas em
posições de liderança, quando compreendem a heterogeneidade do grupo social que
lideram, tendem a recusar a identificação ideológica.
Líderes religiosos, por exemplo, quando conseguem fazer uma
leitura adequada da complexidade social, tendem a dizer que não são nem de direita,
nem de esquerda. Ancoram sua identidade em algum elemento da ideologia
religiosa para justificar suas posições.
A seguir faço uma breve discussão sobre duas questões
importantes a respeito da classificação esquerda-direita especificamente
no campo político.
A primeira diz respeito às classificações centro-esquerda
e centro-direita. Tanto líderes de esquerda quanto de direita, quando
percebem que o seu campo ideológico de origem está sofrendo algum revés na
opinião pública, tendem a se identificar como pertencentes à centro-esquerda ou
à centro-direita. Esse apego à noção de centro - uma zona de intersecção
- serve como apoio para conquistar a adesão dos grupos populacionais que não têm
clareza quanto ao campo ideológico de filiação. Desse modo, dizer-se de centro-esquerda
ou de centro-direita é, na verdade, um estratagema, uma jogada política.
A outra questão diz respeito à recusa das classificações extrema-esquerda
e extrema-direita. Diferentemente das identificações centro-esquerda
e centro-direita, que são dadas pelos próprios grupos sociais ou
sujeitos, as identificações extrema-esquerda e extrema-direita são dadas
pelo outro. Dificilmente um grupo social ou líder político se identifica assim.
Isso porque o qualificador extrema tem carga negativa, indicando uma
posição de desequilíbrio, de insensatez, de incivilidade etc.
As instituições sociais e do estado, quando se veem ameaçadas
por determinados grupos ou líderes políticos, tratam logo de posicioná-los nas extremidades
do espectro, o lugar da barbárie, o lugar do desrespeito às regras sociais e
civilizatórias. É importante frisar que esse é um mecanismo discursivo importante
de autoproteção das instituições. Em geral, esse tipo de classificação se
baseia em ameaças ou ações destrutivas concretas, realizadas pelos grupos e/ou
líderes políticos que são assim identificados.
Nesse sentido, é bastante significativo, no atual cenário
político, a tentativa do presidente Jair Bolsonaro em se identificar como centro-direita.
Desde que tomou posse, o presidente vem seguidamente atacando as instituições e
os contratos civilizatórios, razão pela qual a imprensa e as demais
instituições o classificam no campo da extrema-direita.
Quanto tinha apoio popular suficiente, o presidente fazia
questão de se mostrar no campo da direita. Porém, no último mês, depois de uma sequência
de crises no governo (em grande parte causadas por ataques do presidente a contratos
sociais e civilizatórios firmados em escala global), Jair Bolsonaro vem tentando se deslocar discursivamente para a centro-direita. Agora, resta saber se essa tentativa
de se desligar do campo da barbárie, a extrema-direita, surtirá algum efeito na
opinião pública.
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