Sou aficionado pelas palavras. Para mim, elas encerram toda
a beleza do universo. Elas são a memória do mundo; são responsáveis
por nos fazer humanos; são a nossa matéria estética mais formidável.
As palavras me interessam não apenas porque são matéria da poesia. Elas também me interessam porque são objetos da vida cotidiana, meios que usamos para significar e para representar o mundo. Me interesso em observar o modo como elas constroem o nosso dia a dia, a nossa política, o nosso mundo acadêmico etc.
Gasto grande parte do meu tempo estudando o modo como as
palavras se organizam para formar textos, especialmente os textos escritos. E, dentro
do universo da escrita, há uma questão que me traz um fascínio particular. Trata-se do estilo
textual.
Adoro estudar os estilos de escrita; adoro ler textos de
qualidade. Me esforço ao extremo para produzir textos que ofereçam ao leitor uma
experiência de prazer com as palavras. Sei que esse é um objetivo difícil de
ser alcançado. Mas já me dou por satisfeito quando o leitor chega às últimas
linhas de um artigo sem se aborrecer com a minha escrita.
Neste texto, quero fazer um breve comentário sobre estilo textual na escrita acadêmica.
Parto do pressuposto de que a preocupação com o estilo de um texto deve vir depois da preocupação
com o conteúdo. Só textos de qualidade (com conteúdo relevante) podem ser bem ou
mal escritos. Textos fracos são necessariamente mal escritos. Não há estilo que
compense a falta de ideias.
No ambiente acadêmico, encontramos uma infinidade de textos de
qualidade (com conteúdo relevante) mal escritos. Há textos acadêmicos que leio porque
preciso. O estilo me aborrece, mas acabo tendo que ler até o final porque o
conteúdo é importante para mim.
Sei que muitas pessoas não dão a mínima importância para a
forma do texto. Leem o que têm que ler e pronto; escrevem o que têm que
escrever e pronto. Eu não sou assim. Encaro a escrita e a leitura como atividades
funcionais e estéticas. Um texto pode ser tanto um objeto funcional (que atende
a uma necessidade) quanto um objeto estético (que dá prazer).
Ao ler um texto acadêmico, busco suprir a necessidade de um conhecimento
específico. Mas busco também ter uma experiência de prazer com as palavras. Se
o texto, mesmo sendo útil, não me dá prazer, chego ao fim da leitura com certo
aborrecimento e tédio.
Recentemente me deparei com um livro que pode ser qualificado como um texto meramente funcional. Ironicamente o livro trata do
ensino de escrita. Durante a leitura, não pude evitar alguns momentos de tédio
e aborrecimento. As palavras são simplesmente jogadas no texto:
Cabe também aqui citar Ilari, que em seu texto “Algumas opções do professor de português no segundo grau”, tratando da questão de que, “frequentemente, as perplexidades do professor tomam a forma de alternativas sobre o que ensinar”, por exemplo, língua escrita ou língua falada (entre outras coisas, como língua ou literatura, gramática ou prática de expressão, etc.), lembra que, na realidade, o aluno não domina completamente a língua falada ao ingressar no segundo grau. Em outras palavras, o problema de se ensinar a língua escrita é muito mais complicado do que simplesmente passar para os alunos técnicas que lhes permitam registrar por escrito as mesmas produções verbais de que se mostram capazes de falar[1].
Nesse trecho, as palavras são usadas com utilitarismo e
frieza. São tratadas como meros objetos
que dizem alguma coisa. Não há afeto, não há carinho.
O interessante é que o/a próprio/a autor/a tem certa
consciência de que as palavras estão sendo fustigadas. Depois de amontoar 74 palavras
num período sofrível, o/a autor/a começa o período seguinte com a fórmula “Em outras
palavras”. Essa fórmula denota um mea-culpa. É como se o/a autor/a estivesse
dizendo: “O período anterior está bastante hostil, mas posso torná-lo mais amigável”.
“Ler é fazer amor com
as palavras”, nos ensina Rubem Alves. Mas só podemos fazer amor com as palavras enquanto lemos, se o texto tiver sido gerado num grande encontro de amor. É preciso
que o escritor faça amor com as palavras antes do leitor. Quando o texto é produzido sem afeto, o leitor é impedido de ter uma experiência de prazer com as palavras.
@Limasostenes
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[1] Por uma questão de ética e elegância, resolvi omitir a referência do texto.