Frequentemente, algumas pessoas me perguntam sobre a
natureza do curso de Letras. Em razão disso, resolvi escrever uma série de
textos sobre o assunto. Pretendo, assim, apresentar algumas informações que
poderão ajudar as pessoas interessadas em conhecer melhor o nosso curso. Começo essa série respondendo duas perguntas
muito comuns.
a) O curso de Letras é
um curso de gramática?
Não. Muita gente pensa que estudar Letras é equivalente a
estudar gramática. Não é! Estudamos gramática sim, mas isso não compreende a
totalidade do curso. Estudamos muitas outras coisas.
Para ser mais exato, o estudo de normas gramaticais nem é o
foco do curso. Em termos de estudo linguístico, o nosso foco é o estudo da
língua enquanto atividade social carregada de heterogeneidade, inovação, luta, ideologia
etc. como qualquer outra prática social. E fazemos esse estudo a partir do
método científico. Isso significa dizer que tratamos a língua como ela se
manifesta socialmente sem qualquer julgamento.
Não estudamos a língua a partir de fundamentos morais e
ideológicos, do tipo certo e errado. Um linguista não é um estilista da língua. Nosso papel não consiste em classificar as formas da língua em
certas e erradas; consiste, prioritariamente, em investigar a língua como um
fato social, observando-a em todas as suas dimensões e manifestações.
b) O curso de Letras
ensina a “escrever bem”?
Essa é uma pergunta que não dá pra responder com apenas “sim”
ou “não”. Primeiramente porque não é fácil definir o que é “escrever bem”. Para
uma boa parte das pessoas “escrever bem” é simplesmente “produzir um texto de
forma clara, coesa e coerente”. Se tomarmos essa definição como referência, temos
de reconhecer que a atribuição de ensinar a “escrever bem” é da Educação
Básica, não de qualquer curso do Ensino Superior.
Nessa perspectiva, partimos da tese de que todas as pessoas
que concluíram a Educação Básica, depois de 12 anos de aula de português, “escrevem
bem”. Se isso não acontece é porque nossa Educação Básica deve estar com algum
problema (e, de fato, está!), e as aulas de Língua Portuguesa não estão
funcionando como deveriam.
Bom, voltando o nosso foco para o curso de Letras, o que
posso dizer sobre o tema “escrever bem”, dentro dessa primeira acepção, é que o
curso de licenciatura em Letras tem como principal objetivo a formação de professores/as de língua. Portanto, tem a responsabilidade de formar um/a professor/a que maneja
bem a escrita para que este tenha plenas condições de ensinar a “boa escrita” às/aos
alunas/os da Educação Básica. Nesse sentido, ao ingressar no curso de Letras, a/o
estudante, na condição de professor/a em formação, assume a responsabilidade
moral de aprender a “escrever bem” para ter condições de ensinar a “escrever
bem”.
Mas a definição apresentada acima não é a única para “escrever
bem”. Devemos pensar numa definição mais abrangente, segundo a qual “escrever
bem” vai além da atividade elementar de produzir um texto meramente pragmático. Seguindo essa proposta, podemos
definir “escrever bem” como a arte de explorar, com leveza e precisão, as
potencialidades das palavras. Assim, “escrever bem” é construir um texto sublime,
que cause no leitor uma experiência arrebatadora e memorável. Nesse sentido, quem
“escreve bem” escreve com a alma do leitor, pensando no conforto e prazer que
quer lhe causar. E esse “escrever bem” não se aplica apenas à produção da arte
com palavras. Podemos (e devemos) escrever um relatório técnico com arte e estilo.
Como dito, trabalhamos com a linguagem em suas múltiplas
dimensões, incluindo aí, obviamente, a dimensão estética (não a dimensão moral,
que classifica o certo e o errado). Portanto, podemos dizer que o curso de
Letras contribui sim para a formação de um bom “escritor”.
Aguardo pergunta dos/as leitores/as para a produção de
novos textos da série.