Às vezes experimento um paradoxo terrível: sinto vontade de
escrever, mas não tenho desejo. Enquanto escrevo este texto, estou sob o efeito desconcertante
desse paradoxo.
Muitos tratam vontade
e desejo como sinônimos. Tenho boas
razões para acreditar que, embora sejam palavras semanticamente próximas, denotam
coisas bem diferentes. Costumo pensar a vontade
como a sensação do querer e o desejo como a ação do querer.
Quase sempre vontade e desejo caminham juntos. Experimentamos
a sensação do querer e logo em
seguida somos impelidos à ação do querer.
Mas há casos em que nos sobrevém apenas a sensação. Sentimos que queremos
alguma coisa, mas o corpo e alma não dão boas-vindas a essa vontade. Então, ela
reluta até ser vencida.
Na maior parte das vezes, não damos muita bola para as vontades
que vêm sem desejo. Apenas esboçamos um lamento desbotado (ou seria embotado?):
“Depois eu faço. Acho que eu não queria muito fazer isso”.
Como acontece com muitas pessoas, às vezes sinto que deveria
ler um determinado texto, mas logo a vontade vai embora, restando apenas uma queixa
suave: “Que pena que não me animei a ler aquele texto. Talvez outro dia eu me
animo”.
Mas há certas disjunções entre vontade e desejo que me inquietam.
Uma delas é especial: fico muito embaraçado quanto tenho vontade de escrever,
mas não tenho desejo. Às vezes passo dias incomodado com a sensação de querer
escrever algo, mas o texto não chega. Não há força que faça a vontade virar
texto. O desejo fica inerte.
Penso que a ausência de desejo textual está fundamentalmente
associada à falta de uma causa textual, à falta de uma pauta textual que seja urgente.
Diz-se que o desejo nos move. Então, isso significa que se estamos inertes é
porque não há nada afetando o desejo, não há roteiro para sua ação.
Considero as pautas do desejo como um conjunto de objetos e
demandas que, vindos dos lugares mais secretos e desconhecidos de nossa interioridade,
saltam violentamente na consciência, fazendo-a romper a quietude e o silêncio. Quando
uma pauta irrompe no pensamento, significa que o texto já está pronto, estocado
na alma, aguardando uma tela em branco para ser grafado e distribuído.
Há textos que irrompem com muita violência; exigem ser
escritos (distribuídos) imediatamente. Há outros que chegam de forma mais
suave. Esperam pacientemente um dia, uma semana, um mês, um ano ou até uma vida.
O paradoxo de querer escrever e não desejar escrever me
perturba porque significa que, no momento, minha alma se encontra erma,
desabitada. Não há pauta, não há texto pedindo pra sair. Parece que quando tudo
está arrefecido e sereno dentro de nós alguma coisa está errada. Silêncio e inércia parecem indicar
turbulências logo à frente.
Gosto muito da vontade de escrever. Hoje, depois de várias
recusas, decidi que iria honrá-la. Não terminaria o dia sem escrever um texto, independentemente
da pauta. Constrangi o desejo a agir; coloquei-o contra a parede e o fiz falar.
Como não havia nenhuma demanda, provoquei-o com a pergunta: “Por que você está
inerte?” Ele me respondeu com duas perguntas: “Por que você não busca descobrir?
Por que você não escreve para tentar me decifrar?”. Disso resultou este texto.
A vontade de escrever foi finalmente honrada. Querendo ou não o desejo teve de atuar.