Muita gente acha que se a presidenta Dilma fosse derrubada todos os problemas sociais e políticos brasileiros seriam resolvidos. Para mim, duas razões são suficientes para
mostrar a ingenuidade da maior parte daqueles que estão vociferando o bordão “Fora
Dilma”:
a)
Alguém se lembra de quem é o vice-presidente? Gostaria de lembrar ao cara-pálida
que carrega o cartaz "Fora Dilma" que o vice-presidente é Michel
Temer. Portanto, meu amigo de inteligência rara, pense no que significaria ser
governado por um presidente, cujo partido sempre arranjou um jeito de estar no
poder desde 1985, passando pelos governos de Sarney, Fernando Collor, Itamar
Franco, FHC, Lula e Dilma, independentemente do espectro ideológico que fundava
cada pleito. O que esperar desse partido se não uma ganância inescrupulosa por
ocupar indecentemente ministérios, presidência de autarquias, comissões etc.
etc. etc.?
b) Caso
Dilma caísse, qualquer outro presidente que viesse depois encontraria um país
em frangalhos e um Congresso completamente desbaratado. Você acha mesmo que
Michel Temer conseguiria fazer coisa alguma melhor do que Dilma está fazendo? Tenho
certeza de que ele não faria nada melhor, nem se não houvesse crise. Com crise, então,
seria derrubado logo em seguida. Quem viria depois?
Só existem duas opções democráticas para a saída de Dilma do governo: morte natural ou o encerramento do
mandado. Então, como você quer que ela caia fora agora? Seria por impeachment? Nesse caso, o que pesa a
favor da abertura de um processo de impeachment?
Ou seria por renúncia? Novamente, o que pesaria a favor de uma renúncia? Ou algo mais absurdo como um assassinato? Volto
a repetir: só existem duas opções democráticas para a saída de Dilma da presidência: morte natural ou o
encerramento do mandato. Qualquer outra via é golpe. Vou escrever em CAIXA ALTA para você entender com clareza o que está pedindo com o bordão "Fora Dilma": GOLPE POLÍTICO. Só mais uma perguntinha, talvez
a mais importante deste artigo: Qual o nível de coerência política de um
manifestante que pede golpe político numa democracia? Pense nisso.
Muita gente também embarca ingenuamente na ideia de que os problemas políticos brasileiros
se resolvem com uma simples troca de presidente. Não se resolvem, não. O problema é muito
mais complexo. Portanto, um panfletinho com “Fora Dilma” só pode ser piada de um
alienado, que não faz ideia do universo político no qual está envolvido. Vejamos
algumas coisinhas que você precisa saber, menino:
a) O
grande problema do governo Lula e do governo de Dilma (dos dois mandados de FHC
também) decorre da necessidade da tal governabilidade, que obriga o executivo a
fazer alianças terríveis.
Por que
Haddad fez aliança com Maluf? Por que Dilma aceitou Michel Temer como vice? Por
que Lula e Dilma apoiaram Sarney na presidência do Senado? Por que Dilma apoia
Renan Calheiros (ex-ministro de FHC, não custa dizer) na presidência do Senado?
Por que a base aliada emplacou Marco Feliciano (do PSC, um partido abertamente cooptado
e fisiológico) na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias do
Congresso (algo simplesmente inconcebível até mesmo no roteiro de um romance de
meia-pataca)?
A
resposta para todas essas perguntas todo mundo já sabe, mas não quer levar a
sério neste momento de clamor por reformas políticas. Tudo mundo sabe que o
governo (leia-se o presidente) precisa do tráfico de influência de sujeitos
como esses que eu mencionei logo acima para conseguir governar. Enquanto houver a
sustentação desse sistema de venda de pedaços do executivo (ministérios,
autarquias, secretárias etc.) e gente interessada em comprar, nenhum presidente
conseguirá governar de verdade, independentemente do partido a que pertença. É
aqui que mora o nosso grande problema político. É esse câncer que precisa ser
debatido e combatido pela sociedade.
b) A
quantidade de partidos sem identidade e decência ideológica só faz piorar a situação.
Você sabe me dizer quantos partidos existem no Brasil atualmente? E, destes, quantos
realmente tem história, cara e representatividade política? Aí vão algumas
informações elementares e não tão rigorosas: i) existem no Brasil atualmente mais
de 25 partidos diferentes; ii) destes, apenas 15 têm cadeiras na Câmara dos
Deputados, isto é, têm algum tipo (nem que seja de apenas um Deputado) de
representatividade popular; iii) dos 15 partidos que têm representantes do povo
no Câmara, pelo menos uns 10 não têm a mínima identidade e decência ideológica;
são apenas legendas que alugam (a um preço caríssimo e indecente) seus deputados
para quem pagar mais: governo, oposição ou grupos sociais poderosos (religiosos,
empresariado, ruralistas, etc.).
c) As
coligações partidárias, à revelia da identidade e perfil ideológico - se é que
isso ainda existe - dos partidos, é para mim um acinte. Como pode uma coligação
do tipo PT-PSDB? Pois é, esse tipo de promiscuidade partidária aconteceu em
várias cidades do Brasil nas eleições do ano passado. Pior que uma coligação
PT-PSDB é uma coligação PCdoB-DEM, que também aconteceu em alguma cidade do Brasil.
Digo
mais uma vez: os problemas a serem combatidos devem ser o câncer que se
instalou na relação do Palácio do Planalto com o Congresso Nacional, e no modo
como o sistema partidário tem construído seus arranjos. É esse mar de lama e de
fezes que precisa ser extirpado; é contra essas distorções que os movimentos de
protestos precisam marchar com bravura. Quem empunha um cartaz “Fora Dilma” e
não consegue ver o câncer que existe na relação entre Executivo e Legislativo,
e a latrina que as relações, coligações e alianças partidárias se tornaram, não
tem a mínima noção do que está fazendo. É meramente massa de manobra, um
alienado engajado que se acha politizado.
P.S. Para
os desavisados e apressados em tirar conclusões absurdas, quero deixar claro que nem
ventilei a ideia de extinção dos partidos políticos. Eles são fundamentais em
qualquer processo democrático. Estou defendo a ideia de reforma na legislação,
de modo a tornar os partidos mais fortes, mais definidos e menos suscetíveis à cooptação.