Por André Green[1]
O desejo de ver está presente na leitura. A capa, a
encadernação de um livro são sua roupa. Indicam um nome, um título, um
pertencer (a casa editora) que se propõem ao olhar e o atraem.
Quando o livro está na estante de uma biblioteca, seu acesso
é fácil para o olhar em busca de prazer; quando está posto na vitrine de uma
livraria, esta barreira transparente aumenta nossa curiosidade. Entramos na
livraria pra ‘dar uma olhada’. Exceto no caso em que já sabemos o que queremos
e pedimos ao livreiro, não gostamos de ser perturbados em nossa inspeção.
Fuçamos até que, atraídos por um vago indício, seguramos um livro. Aí começa o
prazer, quando o abrimos, tocamos, folheamos, sondamos aqui e ali. Se o livro
não está com as páginas cortadas, às vezes somos obrigados a fazer uma pequena
acrobacia ocular para ler uma página pregada por cima ou pelo lado, pois é
justamente aquela passagem que nos interessa.
Enfim, é preciso escolher. Se a promessa de prazer nos
parece que vai poder ser mantida, pagamos o preço do livro e partimos abraçados
com ele. Dependendo de se não nos desagrada mostrá-lo em nossa posse ou se
algum pudor nos leva a esconder a sua identidade, o mostraremos nu ou
embrulhado. Para ler, precisamos nos isolar com o livro – em público ou em
particular – e às vezes em lugares bem estranho e a priori pouco propícios a
este tipo de exercício.
O que nos leva a ler? A busca de um prazer pela introjeção
visual que satisfaz uma curiosidade.
[1] Texto
extraído de: André Green. Literatura e psicanálise: a desligação. In: Luiz
Costa Lima (Org.). Teoria da literatura em suas fontes. 3. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002. p. 233-234 [Adaptado na distribuição dos parágrafos. O título “O livro é um objeto
sensual” não consta no original].
Muito bom!
ResponderExcluirOlá, caro professor...
ResponderExcluirEntendo que o livro, na condição de objeto, torna-se basicamente mais um elemento de consumo, pois "se a promessa de prazer nos parece que vai poder ser mantida, pagamos o preço do livro e partimos abraçados com ele". Tal "promessa de prazer" nada mais é que o "prazer do consumo", pois faz-se necessário ultrapassar o obstáculo da vitrine e pagar por ele, diferente de quando o livro está na estante de uma biblioteca, onde seu acesso é fácil (porém, não se pode comprá-lo).
O que interessa, por excelência, em um livro é o seu conteúdo. Os outros elementos extratextuais, quando enfatizados, tornam-se apenas estratégias comerciais para alcançar determinados nichos, cujo prazer está na aquisição e sentimento de ter o objeto em voga, e não na importância do seu conteúdo.
Nesse sentido, entendo que a questão "O que nos leva a ler?" e sua resposta "A busca de um prazer pela introjeção visual que satisfaz uma curiosidade" são reducionistas e fragmentadas, pois caracteriza toda e qualquer ação de ler a partir de um mesmo princípio: "o visual que satisfaz uma curiosidade".
Em outras palavras, e diferente da questão acima: "O que leva alguns a ler? É a busca por uma epistemologia que satisfaça uma necessidade: a de saber, compreender, assimilar, criticar e ressignificar determinados fenômenos.
Obrigado, professor!
Até mais ver!!