Houve um dia em que Deus se cansou de ser fabricado,
construído e grosseiramente reproduzido em palavras. Se cansou de ser ídolo.
Desistiu da linguagem denotativa como recurso para se fazer
conhecido. Abandonou definitivamente os cânones da religião. Percebeu que tudo
que aí se dizia (e se diz) a seu respeito tinha (e tem) um poder incrível de se
transformar em parafernália religiosa.
Deus viu que todos os textos que tentavam trazê-lo para
perto dos seres humanos, uma vez sob o controle dos magnatas da religião, logo
se transformavam (e ainda se transformam), em dispositivos de opressão e
desumanização. Deus notou que os textos sagrados, quando entram para o domínio
do aparelho religioso, perdem a vida e se revestem de morte.
Depois de tanto desencanto com os textos e com o aparelhamento da religião, Deus
decidiu vir aos homens revestido noutro tipo de palavra. Deus se cansou de ser
obscurecido, aviltado e demonizado pelos textos que o aparelho religioso produz
(e continua produzindo) sobre ele. Decidiu, então, fazer de si mesmo um texto
de carne, uma poiesis encarnada.
Deus quis se mostrar de verdade. Para isso, revestiu-se de
carne humana, de ossos humanos, de desejos humanos, de cognição humana, de
psiquismo humano, de abraços humanos, de beijos humanos, de histórias humanas,
de prosa humana, de poesia humana. Deus rompeu com a linguagem referencial e se
casou com a matéria e poiesis humanas. Deus virou um poema em carne, que
desbrava e encanta corações sequiosos de contemplação, ternura, afeto. Deus
passou a morar em histórias que celebram o desmoronamento das estruturas
religiosas. Deus virou um contador de histórias da vida cotidiana, abandonando
de vez a tribuna dos grandes eventos litúrgicos e as cátedras das grandes
escolas rabínicas.
Deus virou um de nós para nos mostrar que nenhum monumento
de linguagem referencial, nenhuma confissão teológica, nenhum acontecimento
litúrgico pode tocá-lo. Apenas um texto recoberto de sensibilidade (um poema,
uma metáfora, uma história, um causo) pode traçar alguns de seus contornos.
Nenhum edito, encíclica, confissão, sermão, petição, relatório etc., que esteja a serviço de algum
empreendimento religioso, contém Deus.
Deus não se deixa conceituar porque sabe que conceitos podem
virar instrumento de morte. Muitos já mataram e muitos já morreram por causa de
algum conceito religioso. É por isso que
Deus jamais foi textografado. Deus sempre soube que um texto que o refletisse
com precisão, compondo uma Textografia de Deus, mais cedo ou mais tarde (talvez
só mais cedo), cairia na mão de algum magnata religioso (pessoal ou
institucional) e se transformaria num instrumento de exploração, dominação e
execução.
Deus nunca esteve em textos que servem para oprimir, excluir
e matar. Aliás, Deus nem chega perto de eventos nos quais textos assim estejam
sendo lidos/falados, a não ser para recolher dali os fracos e pobres que estão
sendo massacrados.
Deus, agora, não está mais nos textos. Ele está nas pessoas.
Deus virou gente para não precisar mais da mediação dos textos. Deu um basta na
farra que os religiosos estavam fazendo em seu nome a partir do uso de textos supostamente sagrados, falsas teotextografias. Na verdade, Deus se cansou de ser vítima dos textos. Fez de si mesmo
o texto a ser seguido, imitado, lembrado.
Sem a necessidade dos textos como elementos de mediação, os
magnatas do esquema religioso agora estão de mãos abanando. E foi se a glória da
máquina religiosa! Ninguém precisa mais se submeter a nenhum rabino, sacerdote,
apóstolo, profeta, padre, pastor, bispo, reverendo etc. etc. Deus é o próprio
texto encarnado, escrito numa gramática de carne e sangue, que pode ser lido/comido por qualquer um. O verbo se tornou
carne e nos disse: “Este é o meu corpo que é dado por vocês. Comam dele todos.
Deixem que as estruturas do verbo sejam dissolvidas na alma, no caráter e no
afeto de vocês. E, assim, sejam impelidos à prática do amor”.
Muito bom! Se Deus se fez a palavra que nos habita, então ele só pode ser conhecido-vivido-sentido nos relacionamentos: Deus É a palavra fluida entre nós, o rio que corre de mim para o outro e do outro para mim. Tento não te transformar em um ídolo, mas é uma tentação!
ResponderExcluirTexto fabuloso! Não poderia começar o dia lendo coisa melhor. Parabéns professor pelo talento dado por Deus. Parabéns também pelo seu dia!
ResponderExcluirOi, Andreia. Obrigado. Um grande abraço.
ExcluirEsse ai é diguino de uma produção Audio Visual.... to falando... pensa nisso com carinho.... muito bom mesmo! parabéns!
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