Tenho profundo respeito pelas tradições e saberes locais.
Gosto de ouvir histórias e causos. Sou encantado por saberes complexos que
chegaram até nós por meio da tradição oral. Gosto da ciência que se
faz com intuição e memória, gosto da poética que se constrói longe dos cânones
literários. Gosto de ouvir idosos, contando e cantando a vida do tempo que a
cidade ainda não oprimia as pessoas. Gosto de culturas e experiências locais ainda não engolfadas pelo estilo de vida urbano.
Gosto de aprender com quem ensina a partir de uma base epistemológica diferente
da minha. Mas estou cansado de senso comum.
Não tenho mais paciência para ver e ouvir pessoas propalando
saberes adquiridos a partir do Jornal Nacional, Veja (discurso direitoide),
manuais e manifestos de doutrinamento contra neoliberalismo (discurso esquerdoide). O senso comum (de
direita e de esquerda) me aborrece. Obviamente, o senso comum do qual estou falando é
diferente dos saberes e experiências de comunidades tradicionais e locais. A
praga que me irrita é esse saberzinho de meia-pataca adquirido a partir de livros
de autoajuda, da grande mídia ou de discursos hegemônicos. É esse tipo de saber
que me deixa pilhado, especialmente quando é propagado em ambientes acadêmicos.
Segue uma série de frases, chavões e mantras de senso comum
que me causam arrepios:
1) Português é a língua mais difícil do mundo.
2) Brasileiro não sabe falar português.
3) O português está sendo dominado pelo inglês.
4) É preciso estudar gramática para aprender português.
5) A cultura pop está emburrecendo as pessoas.
6) O inglês vai acabar com todas as línguas locais.
7) A globalização está matando a cultura brasileira.
8) Não há mais música de qualidade no Brasil.
9) O Brasil não produz mais grande literatura, apenas lixo
cultural.
10) Paulo Coelho é lixo cultural, não literatura.
11) Brasileiro não gosta mais da boa música, agora só ouve
Michel Teló.
12) O Brasileiro não lê.
13) O Brasil é um país de corruptos.
14) O brasileiro é muito passivo, não se manifesta.
15) O Brasil não leva a educação a sério.
16) O Brasil não investe em educação.
17) Os políticos têm interesse em manter a população analfabeta.
18) O Brasil está mudando muito.
19) Vivemos num momento de muitas mudanças históricas.
20) As pessoas estão preferindo se relacionar pela internet.
21) As pessoas preferem conhecer alguém distante a fazer
amizade com o vizinho.
22) Etc. etc. etc.
Não estou dizendo que todas essas afirmações são mitos. O que
estou dizendo é que não suporto ouvir pessoas repetindo essas ladainhas sem a
menor preocupação em estudar o tema, sem verificar o que um pesquisador da área
diz sobre o assunto, sem consultar uma pesquisa séria etc. Por exemplo, outro dia ouvi alguém dizer, em tom de
crítica, que o brasileiro não lê. Estranhamente, a pessoa de quem ouvi essa
pérola, jamais leu um artigo sobre o mercado editorial brasileiro, jamais foi
atrás de estudos estatísticos que mostram a evolução das práticas leituras no
Brasil ao longo das últimas décadas. Ela falou isso porque ouviu a Sandra
Annenberg ou Evaristo Costa repetindo esse mantra no Jornal Hoje, ou porque viu
um Globo Repórter sobre o assunto, ou porque leu uma materiazinha de Veja, ou porque sei lá o quê!
Encerro fazendo um apelo: vamos estudar mais.
Seu texto é perfeito.
ResponderExcluirParabéns
vamos estudar mais!😁😁
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