Vejo mais um vídeo, entre tantos que circulam por aí, com uma fake news bárbara, ofensiva e
absurda. Me entristeço. Estamos diante da barbárie. A mentira venceu a guerra da comunicação.
As mídias sociais, com ênfase para o WhatsApp, inauguram um novo tipo de esfera pública, sem qualquer de tipo de regulação discursiva da informação. Isso significa que a circulação dos discursos, neste momento, está perigosamente isenta da regulação do pacto civilizatório. Não há mais verdade; o que existe é o desejo da verdade. Neste momento, a verdade é o que cada um quer que seja verdade.
É nesse contexto que assistimos assustados à propagação de narrativas que fazem prevalecer violentamente "certas verdades" que materializam desejos não submetidos à castração civilizatória. Estamos mergulhados numa militância comunicativa insana e fratricida.
Entendo esfera pública aqui como o espaço de circulação dos
discursos que constituem e (de)formam uma sociedade.
Já achávamos as mídias tradicionais brasileiras abjetas,
agora estamos tendo que conviver com um novo paradigma de circulação pública da
informação, muito mais devastador, abjeto, difuso e completamente imune a
qualquer tipo de controle das instituições do Estado e dos regimes civilizatórios e éticos.
De posse de uma série de potencialidades tecnológicas, os sujeitos ocuparam
(participação ativa) a esfera pública e estão largados lá (participação
passiva), de uma maneira que os aparelhos públicos (imprensa, por exemplo) e as
instituições do Estado não conseguem mais interpelá-los do mesmo modo que faziam antes. Munidos de uma falsa ideia de autonomia e liberdade, os sujeitos agora interpelam a si mesmos. Mal sabem que são, em grande parte, marionetes de algoritmos.
Nesta campanha presidencial brasileira, as fake news venceram a guerra das narrativas.
Qualquer pessoa que queira, por consciência ética e cidadã,
fazer checagem de imagens, textos e vídeos de WhatsApp tem que gastar um tempo
enorme para isso. E, enquanto gasta um tempo enorme fazendo a checagem, a
informação falsa continua se espalhando, alcançando uma infinidade de outros
usuários.
Lembremos que, com a velocidade, fugacidade e multiplicidade
da informação, uma checagem tem pouquíssima chance de chegar junto com a fake
news. E, se a checagem chega com uma hora de atraso, passa a ter um efeito
persuasivo muito limitado. Atualmente, os sujeitos se ligam muito mais afetivamente que
racionalmente com a informação. Isso quer dizer que se o afeto
aplicado em determinada atividade comunicativa já foi deslocado, o efeito de
uma checagem será praticamente nulo.
A interpretação racional dos discursos é baseada
fundamentalmente na recuperação/ rememoração/ reconceituação dos objetos
discursivos. Já a interpretação afetiva dos objetos de discurso é baseada
fundamentalmente na experiência imediata, no sentimento que os objetos (sejam
verdadeiros ou falsos) suscitam no momento. Quando a interpretação afetiva é ativada, o
afeto gera a convicção do fato e logo se desloca para o outro objeto, não podendo
mais ser recuperado.
Me parece que as checagens podem até fazer sentido quando
pensamos nos aparelhos de comunicação públicos e institucionalizadas (as mídias
tradicionais), mas parecem não ter muito efeito nos ambientes (mídias) pessoais
de circulação da informação, como o WhatsApp.
Nosso regime civilizatório, neste momento, retrocede. Penso
que ainda não temos meios técnicos e conhecimentos para atacar as fake news.
Creio que em breve encontraremos novas formas de regular minimamente a esfera
discursiva pública e restaurar o pacto civilizatório. Mas, enquanto esse momento não chega, nos resta reconhecer
que a civilização está perdendo para a barbárie. Ao reconhecer a derrota,
comecemos a planejar a reconstrução do projeto humano.